quarta-feira, 23 de maio de 2018

Teerã examina caminho adiante, depois da saída unilateral dos EUA, do Acordo Nuclear, por Pepe Escobar

21/5/2017, Pepe Escobar, Asia Times [2ª Carta de Teerã]

Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu


Irã considera passar a fazer todo seus negócios e trocas comerciais em euros e yuan, em momento de plena incerteza sobre se Bruxelas pode desafiar a lei de dominação dos EUA e impedir possíveis sanções



A saída do governo Trump, do acordo nuclear iraniano [Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA)], monopolizou os mais altos níveis do governo em Teerã em tempo integral, desde que a decisão foi anunciada dia 9 de maio.

O primeiro-ministro Mohammad Javad Zarif, que se reuniu ontem com o chefe de energia da União Europeia Miguel Arias Canete, reiterou que não bastam meras palavras de apoio dos europeus. A comissão conjunta do JCPOA reúne-se em Viena na próxima 6ª-feira para analisar as opções à frente.

Diplomatas da União Europeia em Bruxelas disseram a Asia Times que, ao contrário dos rumores, a União Europeia não está considerando oferecer ajuda financeira a Teerã em troca de concessões rumo a um possível novo acordo nuclear.

O que Bruxelas está desesperada para conseguir antes que as primeiras sanções norte-americanas passem a ter vigência a partir de agosto é um mecanismo que conteste a dominação da lei norte-americana extraterritorial – e tranquilizar o presidente Hassan Rouhani, que, ao que se sabe, tem confiança "limitada" na possibilidade de França, Grã-Bretanha e Alemanha virem a afirmar alguma política externa independente.

Teerã, enquanto isso, considera passar a conduzir todos os seus negócios e suas transações comerciais em euros e yuan.

Ahmad Bahmani é conselheiro para assuntos de Europa e Américas de Ali Akbar Velayati, principal conselheiro para assuntos de política exterior do Supremo Líder Aiatolá Ali Khamenei. O que Bahmani diz vem portanto dos mais altos níveis do governo do Irã.

Bahmani recebeu Asia Times com exclusividade para uma troca de ideias num escritório modesto em Teerã. Preferiu não ser fotografado, o que faz todo sentido, porque o homem dos holofotes é Velayati.

A Av. Beltway onde opera o Departamento de Estado dos EUA muito teria a ganhar se ouvisse Bahmani. Aqui, as principais linhas do que conversamos:

Sobre a Nova Ordem Mundial – Atento observador do tabuleiro de xadrez desde "que o primeiro McDonald’s foi inaugurado em Moscou", e desde quando o mundo era bipolar ("agora, são pelo menos seis polos"), Bahmani observa que, três décadas adiante, Romênia e Polônia podem ser dadas como "exemplos de verdadeiro progresso", quando "os partidos que mostram avanço sustentado na Europa Oriental são os partidos socialistas". Enquanto isso, por toda a Europa Ocidental, "o povo quer mudança". Fala do Brexit, da Catalunha, do Syriza (partido da Esquerda Radical na Grécia), da Frente Nacional na França; "por toda parte vê-se mudança nas divisões políticas clássicas."

Sobre o Barjam (expressão que, no Irã, designa o Acordo Nuclear JCPOA) – Bahmani está satisfeito com a quebra do acordo – que vem comprovar o acerto do que o Aiatolá Khamenei sempre disse, inclusive oficialmente, várias vezes: que ninguém deveria confiar nos EUA. Mas não tem certeza de que "os europeus venham a alinhar-se com os EUA. Talvez não tenham a necessária independência. A Europa faz $450 bilhões ao ano em negócios com os EUA, e apenas $30 bilhões com o Irã. Mas, se apoiarem os EUA, mostrarão às respectivas populações que os governos europeus não são independentes."

Sobre a psicologia iraniana – "Aqui, quando conseguimos alguma coisa que nos custe muito esforço, nos agarramos àquilo com toda nossa força. Assim, no momento, há sensação de extrema desconfiança em relação ao Ocidente. Por seis anos, o núcleo de toda a diplomacia iraniana operou em torno do Barjam. Sem demora a União Europeia terá de responder a outras questões. Não temos ilusões."

Sobre a resiliência iraniana – "Os EUA gastaram $7 trilhões no Afeganistão e no Iraque. Em comentário sobre isso, Trump disse 'Apenas ampliamos nossos cemitérios'". Bahmani evoca a ampla topografia do Irã – dos pontos mais quentes do planeta, a regiões de 35ºC negativos –, para destacar que "sabemos nos defender nós mesmos." Fez a conexão entre as massivas reservas de petróleo e gás do Irã, de um lado, e a capacidade para bloquear o Golfo Persa, no evento de haver guerra.

E destaca a resiliência: "Melhor seria se o Irã não tivesse petróleo. Padecemos quatro décadas de embargo. Durante os anos 1980s, na guerra Irã-Iraque, todos eram contra os EUA; não pudemos comprar foguetes Katyusha, nem pagando dez vezes o preço. Nenhum dia sem sanções forçou os EUA a serem mais criativos. Em 1979 o Irã tinha 50% de analfabetos. Agora temos 5 milhões de alunos, comparados a apenas 30 mil naquele momento; 95% de nossas vilas têm acesso a tudo; 93% dos remédios são agora produzidos localmente – e exportados. Conseguimos converter em oportunidade [aquela] ameaça." Não faz o elogio do Made in Iran. E então vem a frase crucialmente decisiva: "Os norte-americanos não têm as capacidades necessárias para conquistar o Irã."

Sobre alianças regionais – Digo que o secretário do Tesouro dos EUA Steve Mnuchin deixou escapar que o real objetivo do governo Trump é impor sanções ainda mais duras, para obter um Acordo Nuclear JCPOA mais favorável. Bahmani diz que Mnuchin "já está numa posição de fraqueza". Fala das alianças do Irã por todo o Sudoeste Asiático. Iraque ("Sabemos quem será o próximo primeiro-ministro, mas ainda não podemos dizer"). Hezbollah ("antes eram apoiados por 1/3 do Líbano; agora, depois das recentes eleições, esse apoio subiu para 60-65%"). Damasco. Saana. Gaza ("há novas fidelidades ao Aiatolá Khamenei"). Feitas as contas "são seis aliados, incluindo o Irã. Mais simpatizantes no Paquistão, Afeganistão, Índia e Turquia." Quanto ao príncipe coroado saudita MBS, "comprou todo mundo."

Sobre o futuro próximo – "Não estamos preocupados. Os dois sistemas ativos durante a Guerra Fria fracassaram. Temos de criar um terceiro sistema." Depois do 11/9, "mostre-me uma vitória, uma, que seja, dos norte-americanos nessa região. Durante quatro décadas tentaram em vão instalar um sistema de segurança no Oriente Médio."

Sobre Israel – Bahmani destaca que conhece "a história de Israel em detalhes desde 1948." Enfatiza que 1982 no Líbano foi "a última vitória israelense." Depois houve 1986 ("depois de 16 dias, os israelenses aceitaram todas as exigências do Hezbollah.") Em 2000, "fugiram às pressas do Líbano." Enumera um padrão de guerra que se repete de dois em dois anos: 2006; 2008 ("bombardearam Gaza durante 20 dias"); 2010 ("a guerra dos 11 dias"); 2012 ("8 dias"); 2014 ("51 dias"). Menciona a inteligência iraniana que monitora "os movimentos financeiros dos israelenses para contas europeias. Os israelenses podem estar-se preparando para cair fora, em caso de guerra em solo."

Sobre o bombardeio de Israel contra a base T4 na Síria, quando foram mortos sete altos assessores militares do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica, e a resposta síria, atacando com 20 mísseis quatro posições sensíveis de Israel nas Colunas do Golan ocupado (foi resposta síria, não iraniana; aqui, em árabe, é análise detalhada dos alvos). – "Conforme o acordo entre Israel e Hezbollah depois da guerra de 2006, se o Hezbollah lança um míssil e Israel não responde, é fim da escaramuça ou de guerra maior. Era o caso entre Israel e Síria. E os russos tiveram o papel de intermediário."

Pergunto se Teerã deve esperar mais ataques israelenses na Síria. E Bahmani: "Não, no momento, não. O que temos aqui é apenas um capítulo. Um novo capítulo pode ser iniciado, em um, dois meses."*******


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