quinta-feira, 15 de março de 2018

Presidente vitalício da China? Não. Xi Jinping estuda História

14/3/2018, Deng Yuwen, Hong Kong, South China Morning Post


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu



Os delegados ao Congresso Nacional do Povo, por amplíssima maioria, aprovaram uma emenda à Constituição pela qual se aboliu o limite de dois mandatos imposto até agora aos presidentes da China, movimento controverso que permitirá que o atual presidente, Xi Jinping, permaneça no poder depois de 2023. A questão é: Xi aspira a ser presidente vitalício? Ou, dito de outro modo, o Partido Comunista da China deseja converter Xi em líder vitalício? Ou deseja apenas garantir-lhe mandato um pouco mais longo? Os analistas e observadores que se dedicam à China ainda não se decidiram quanto a essa questão.


O governo manteve o tom vago em todos os comentários. Questionado por jornalistas estrangeiros numa reunião de imprensa dia 4 de Março, o porta-voz do Parlamento Zhang Yesui disse apenas que a mudança na Constituição ajudará a "fortalecer e aprimorar o sistema chinês de liderança política". O jornal oficial do Partido, People’s Daily, aprofundou-se mais no comentário. Em artigo sobre a significação da revisão constitucional, o jornal deixou bem claro que os líderes do Estado e do Partido ainda têm o dever de obedecer às regras para aposentadoria. Chega a citar trecho da Carta do PCC, que claramente determina que "os quadros do Partido na liderança do país, eleitos pelo procedimento democrático ou nomeados por algum corpo governante, não recebem mandato vitalício".

Sou de opinião que, ao avançar sobre os limites do próprio mandato, Xi deseja centralizar o poder, de modo a garantir para si as condições necessárias para mobilizar governo e povo para que trabalhem para realizar o sonho chinês de rejuvenescimento da nação. Assim sendo, creio que Xi conservará o poder pelo tempo que considere necessário para completar o trabalho de modo que se possa considerar satisfatório, mas não mais que isso.

É pouco provável que Xi deseje manter-se no poder por toda a vida, e, isso, por três razões. 

Primeira que, para reunir apoios para conseguir aprovar a prorrogação do próprio mandato, é provável que Xi tenha de ter declarado aos altos líderes do Partido que não permanecerá indefinidamente no poder, como presidente vitalício.

As regras da limitação dos mandatos dos governantes chineses foram fixadas por Deng Xiaoping para impedir qualquer repetição da Revolução Cultural, tragédia inspirada no culto de Mao Tse Tung, que permaneceu na liderança do partido até morrer, em 1976. Ao longo dos últimos 30 e tantos anos, esse sistema de sucessão política conduziu a transferência de poder, de Jiang Zemin Hu Jintao e a Xi, e é visto como um dos poucos desenvolvimentos positivos da reforma política na China. Tem amplo apoio dos membros do Partido e na sociedade em geral, e não é regra que possa ser derrubada facilmente.

Para conseguir mudar os limites do próprio mandato, Xi teve de obter o consentimento dos altos membros do Partido. Sem isso, se o presidente está forçando a mudança das regras sem ter obtido esse consenso, expõe-se ao risco de acentuar as divisões dentro da liderança, o que impedirá o funcionamento de seu próprio governo. É muito provável, portanto, que Xi tenha prometido à elite do PCC que não destroçará a instituição da sucessão política, criando para si um mandato vitalício.

Segunda, a reação negativa em grande parte da população chinesa, diante do fim da limitação do mandato presidencial, pressiona fortemente o presidente e sua equipe; Xi com certeza terá de pensar duas vezes antes de tentar manter-se como presidente vitalício. Embora não haja pesquisas sobre os números de apoio e de oposição, pelo menos entre as classes médias e os profissionais liberais muita gente mostrou sinais de desagrado ante a novidade. A forte reação nas mídias sociais foi flagrante.

Claro, o povo não tem poder para impedir diretamente a mudança da Constituição, mas o movimento do governo Xi consumiu parte significativa do apoio popular a Xi e ao Partido Comunista. Se Xi estiver tentando criar para si uma presidência vitalícia, cada vez mais pessoas se manifestarão contra a iniciativa, e a legitimidade do Partido logo será posta em questão. Com isso, Xi perderia até as condições mínimas para unificar o povo chinês para a luta pela concretização do sonho chinês.

Mais que isso, a remoção dos limites ao mandato do presidente também gerou críticas na comunidade internacional, especialmente no Ocidente, onde crescem as críticas contra Xi. Também isso cria novas dificuldades para a realização do sonho chinês.

Pequim estará consciente do efeito de suas ações sobre a opinião pública? Há boatos de que alguns editores da Agência de Notícias Xinhua enfrentam represálias por chamarem a atenção do público para a gravidade da Emenda à Constituição que tira as limitações de mandatos presidenciais, em matéria publicada em inglês, o que teria atraído a atenção também de leitores fora da China. Se se confirmarem esses boatos, será indício de que as autoridades estão preocupadas com manter em alta a imagem pública de Xi.

É importante não esquecer que a classe média chinesa é produto, na China de hoje, das normas e do modo de pensar de uma sociedade moderna. Limitação no tempo de mandato é parte integral dos sistemas políticos modernos, e a abolição dessa limitação custaria grave dano à imagem de Xi junto à opinião pública. Xi de modo algum seria indiferente à pressão que a opinião pública sempre exerce.


Terceira, ao longo da história, há muitos exemplos de ditadores que acabaram mal. Homem de importante trajetória política pessoal, e que tem a missão histórica de restaurar o lugar de destaque da China no mundo, é altamente improvável que o presidente chinês tenha esquecido tudo que sabe. Seja ou não ditador, Xi leva a história a sério.

Há duas lições a aprender da história, em matéria de limitar a extensão dos mandatos presidenciais. Primeira, que não importa o quanto sejam excepcionais as circunstâncias de um país, a maré da história sempre se move a favor de limitar o mandato do líder. Segunda, ditadores que se agarraram ao poder foram sempre derrubados por revolução ou golpe militar, ou acabaram sós, depois que o próprio partido político os deixou. O fracasso de Mao, que não conseguiu passar adiante o próprio poder, foi uma das razões das tragédias de seus anos finais. E Joseph Stálin, líder soviético, foi condenado pelo próprio povo depois de morto. Não importa o quanto tenham sido gloriosas as realizações de um governante, quem se recusar, ou não conseguir a passar adiante o poder quando chega a hora, cairá em desgraça. É a lei da história.

Por tudo isso, que Xi compreende muito bem, é improvável que deseje ser presidente vitalício. A pergunta é: nesse caso, por quanto tempo quer manter-se na presidência? Meu palpite é que esteja querendo um pouco mais de tempo, digamos mais 15, 20 anos, até, digamos 2032 ou 2037. Afinal, a primeira fase do sonho chinês estará concluída quando a China completar o projeto de modernização socialista, em 2035.*****


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