segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Aliança russo-turca fortalecida afeta Guerra Fria EUA-Rússia

31/7/2016, John HelmerTRNN (ing. 19' vídeotranscrição aqui traduzida)


Traduzido pelo Coletivo Vila Vudu




John Helmer, jornalista anglo-norte-americano que trabalha em Moscou, diz que a Rússia sente-se ameaçada por EUA, OTAN, Turquia e pela turbulência junto às suas fronteiras.

SHARMINI PERIES, TRNN: Aqui, Real News Network. Sou Sharmini Peries, falando de Baltimore.

Uma possível nova aliança entre Rússia e Turquia com certeza perturbará os EUA e a OTAN. Os presidentes de Rússia e Turquia têm encontro marcado em São Petersburgo, dia 9 de agosto, para recompor as relações entre os dois países, num momento em que crescem as tensões entre Turquia e OTAN. Há poucos dias, o general norte-americano Curtis Scaparotti, Comandante Supremo dos Aliados na Europa, disse (cito): "Observaremos bem de perto como o relacionamento desenvolve-se, e nos preocuparemos se se afastarem dos valores do estado de direito que são a pedra angular do tratado de Washington", referindo-se à OTAN.

A aliança Rússia-Turquia que está sendo construída é desenvolvimento importante porque, até agora, a Turquia sempre foi firme aliado da OTAN. Porém, depois da tentativa de golpe do dia 15 de julho na Turquia, o presidente Erdogan e o grupo político a ele aliado sugeriram que os EUA podem ter tido participação na tentativa de golpe, o que é difícil de confirmar nesse momento.

Ao mesmo tempo, o secretário de Estado John Kerry criticou o revide de Erdogan depois da tentativa fracassada de golpe, que levou à prisão de mais de mil oficiais, a dezenas de milhares de demissões nos serviços públicos e ao fechamento de mais de 130 veículo da mídia-empresa turca. Agora que Rússia e Turquia podem estar-se aliando, pode haver aí sinal de importante mudança geopolítica na região, se a Rússia conseguir separar a Turquia, da OTAN. Toda a dinâmica regional da guerra na Síria seria alterada e, claro, toda a geopolítica.

Quem está conosco para discutir esse desenvolvimento é John Helmer. John é o correspondente estrangeiro que há mais tempo trabalha na Rússia, e o único jornalista ocidental a manter a própria agência de notícias independente, sem vínculos estatais ou comerciais. Helmer trabalhou na equipe de Jimmy Carter na Casa Branca e depois foi conselheiro do primeiro-ministro grego Andreas Papandreou. Publica um blog muito conhecido e popular em todo o mundo, Dances With Bears. Hoje, ele fala conosco, de Moscou. Muito obrigada por nos receber, John.

JOHN HELMER: Obrigado.

PERIES: Pelo que você escreveu, John, o relacionamento está mudando muito dinamicamente entre Turquia e Rússia. Ajude-nos por favor a compreender o que está acontecendo, que você considera tão historicamente significativo. Aqui, me refiro ao artigo que você publicou recentemente [traduzido no Blog do Alok: "Revolução no centro do Velho Mundo: a nova Aliança Bizantina"27/7/2016 (NTs)].

HELMER: Bem, talvez o melhor seja eu começar dizendo que é essencial, para quem esteja fora da Rússia, compreender que a Rússia, como todos os demais países do mundo, está preocupada com proteger as próprias fronteiras e suas prioridades estratégicas. E impedir que a Rússia seja agredida pelo terrorismo e por ações nas fronteiras que ameacem a sobrevivência do país. Essas são as principais coisas em que a Rússia pensa, como também pensam todos os estados normais em todos os tempos.

A Turquia ameaçou a Rússia de inúmeros modos, como a OTAN vem ameaçando a Rússia cada vez mais intensamente ao longo dos últimos dois anos, ao ponto de a Rússia ver-se em guerra em vários fronts. Digamos: o front Ucrânia, digamos o front sul, ou o front sírio. Ativos conflitos militares nos quais a Rússia é ameaçada e nos quais os EUA, a aliança da OTAN, incluindo a Turquia, mobilizaram forças que ameaçam a Rússia indiretamente e diretamente. 


Assim, por mais que eu compreenda que muita gente vê as coisas de outro modo, perfeitamente ao contrário do que estou dizendo, e pensam que a Rússia estaria ameaçando o resto do mundo, a Rússia vê o resto do mundo, especialmente OTAN e Turquia sempre como ameaça contra ela, Rússia. Assim sendo, se começamos pelo modo como os russos pensam, você tem chance de começar a compreender como a política russa aborda um país como a Turquia.

PERIES: Naquele artigo ("Revolução no centro do Velho Mundo: a nova Aliança Bizantina"27/7/2016) que já citei, você sugere que a secretária de Estado assistente dos EUA Victoria Nuland andou conspirando, não só contra Rússia e Síria, mas também contra a Turquia, e que as ações dela resultaram em a Turquia buscar novos aliados. Pode nos explicar, por favor?.

HELMER: A Sra. Nuland conspirou – e não foi a única funcionária do governo dos EUA que conspirou e conspira – para derrubar o presidente Yanukovych na Ucrânia, conspirou para derrubar o presidente em fevereiro de 2014. Resultado da ação dela é que a Ucrânia está em estado de ininterrupta guerra civil, motivo pelo qual a fronteira entre Ucrânia e Rússia é hoje zona de conflito, com incalculável sofrimento humano; há refugiados chegando à Rússia, como também ao ocidente; resultado da mesma conspiração, a Criméia optou por ser reintegrada à Federação Russa.

Os efeitos da guerra na Ucrânia, pela qual a Sra. Nuland e colegas são diretamente responsáveis, custou também a vida dos passageiros que viajavam no H17 da Malaysia Airlines. As pessoas que assistem ao seu programa podem facilmente compreender a extensão do dano que essa guerra, em especial, provocou. E a Sra. Nuland é uma das responsáveis, é individualmente, pessoalmente responsável por aquela guerra. O gabinete dela também cobre a Turquia e quase toda a Europa, assim como a Rússia. Significa que os russos já conhecem o modo como ela opera, seus esquemas, como conspira a favor de mudança de regime em vários outros países e também, é claro, na Rússia. "Mudança de regime" na Rússia é política declarada das sanções que os EUA impõem à Rússia, sob o pretexto de punir supostos 'cúmplices' do presidente da Rússia.

A Sra. Nuland também pressionou furiosamente o governo de Chipre para que aceitasse uma 'reparação' pela invasão turca de 1974, a qual pôs soldados turcos ocupando 1/3 de Chipre, toda a parte norte da ilha.

O que fazer? O que dizer? A história é sempre essa e repete-se sem parar. O envolvimento da mesma Sra. Nuland na Turquia sempre teve a ver com forçar os turcos a assinar vários esquemas para mudança de regime no norte da Turquia, no oeste da Turquia e, em certa medida, também no leste da Turquia. Mas isso está fora da área de operações do gabinete da Sra. Nuland.

PERIES: Em termos de que interesse a Rússia tem em tudo isso, obviamente está buscando interesses econômicos, sobretudo agora, com os preços do petróleo tão baixos. O país está sentindo-se estrangulado pela crise econômica na Rússia e, claro, a Turquia está sofrendo pressões econômicas similares. Reabrir relações e conseguir restabelecer relações comerciais e livrar-se de alguns dos embargos impostos depois que a Turquia derrubou o jato russo, tudo isso, é claro, também está em jogo.

OK. Mas qual é realmente o interesse dos russos, nesse processo de melhorar o relacionamento com a Turquia?

HELMER: O primeiro e principal interesse da Rússia é reduzir a quantidade de fronteiras ameaçadas, a ameaça dos mísseis, a ameaça do muro, do lado turco contra a Rússia. Além disso, a participação da Turquia na tentativa de derrubar o governo da Síria também é questão que envolve os russos. Foi política da Turquia, durante algum tempo. Para derrubar o governo sírio, a Turquia estimulou o fluxo de jihadistas, de combatentes, do DaechISISISIL – os nomes são muitos, o significado é claro – com o objetivo de lutar na Síria. Mas a Turquia também é base do movimento terrorista checheno, que luta para causar agitação em todo o território russo. A Turquia é importante base dos chechenos.

Por tudo isso, neutralizar e pôr fim ao relacionamento dos turcos com a secessão chechena, o movimento do terrorismo checheno, é um importante objetivo da política da Rússia. É mais importante para a Rússia que reduzir o envolvimento na Síria [inaudível]. Os dois objetivos estão intimamente conectados.

PERIES: Uma coisa muito interessante de que você fala no seu artigo é que você destaca que o novo relacionamento entre Rússia e Turquia tem importante significado histórico; você até o compara com a aliança entre otomanos e império russo, contra Napoleão. Pode falar um pouco sobre essa história, explicar o que significa sua comparação? 

HELMER: Não sei se consigo, num programa de televisão... 

PERIES: Apenas para ajudar a compreender o significado dessa aliança hoje.

HELMER: Vou tentar. Vamos pôr nos seguintes termos. A Rússia esteve em guerra com a Turquia por várias gerações. Dentre outros motivos, atualmente, porque a Turquia tem sido membro ativo da aliança da OTAN (embora seja o único membro que a aliança 'autoriza' a invadir e ocupar outro país, Chipre). E também a Grécia é constantemente ameaçada pela ação militar da Turquia, no ar e no mar. A Turquia é um dos membros mais 'diferentes' e dos mais agressivos', da OTAN, na vizinhança da Rússia.

Historicamente, nada disso é novidade. Essa região, durante o Império Bizantino, durante e antigo Império Romano, nos períodos de apogeu da Grécia, essa região sempre esteve em constante mudança, com diferentes alianças táticas para vantagem dos estados e grupos étnicos e exércitos, com diferentes configurações. Quando tentei falar da significação potencial da mudança que se vê hoje na política turca, tive de falar também que só se fala aqui de mudança potencial. Não é comum ver a Turquia dar a impressão que muda seus compromissos em relação à OTAN. Também não é todo dia que se vê a Turquia modificando sua ação hostil em relação à Rússia. A derrubada pelos turcos, em novembro, do jato SU24 foi calculado ato de guerra. Tudo, as desculpas, as justificativas, a geografia, a questão de entra-e-sai do espaço aéreo, nada daquilo convenceu ninguém. E além do fato óbvio de que foi ato de guerra, foi ato de guerra num contexto de outros atos de guerra. Já me referi à tentativa de secessão dos chechenos, ao terrorismo checheno, que parte da Turquia em direção norte, para a Rússia e o Cáucaso russo; e da Turquia para o sul, em direção à Síria.

Todas essas são realidades ameaçadoras. E, se se confirmar que a nova política revista do estado turco deixará de ameaçar para o sul, norte, ou oeste, a mudança, sim, tem implicações revolucionárias. A história da frustração, a história da expansão turca, a história das guerra entre Rússia e Turquia, tudo isso converge – a melhor lição que acho que se pode extrair de uns dois milênios dessa história – é que a Turquia é estado expansionista que sempre ameaçou os vizinhos. Sei que as pessoas nos EUA e a OTAN preferem pensar que a Rússia seja estado expansionista. Preferem pensar na OTAN como um sistema defensivo contra a expansão russa. Do ponto de vista da Rússia é a OTAN que se expande contra a Rússia. Assim sendo, qualquer movimento que a Turquia faça e que seja diferente do que sempre fez, historicamente, nos últimos 50 anos, é, potencialmente, movimento com consequências revolucionárias pelo menos em teoria.

Mas nunca é demais repetir que tudo, até agora, são possibilidades. Não houvera restrições no relacionamento comercial e de investimentos, nem no turismo, entre Rússia e Turquia, desde o fim da União Soviética. Todos compreendem isso. E tudo terminou com a derrubada do jato, em novembro passado. Tudo pode ser restaurado, pode ser aprofundado. Ou pode ser deixado numa pista mais lenta de desenvolvimento. Comércio, investimento, movimento de gás e energia, todas essas coisas podem ser promovidas, aceleradas ou tornadas mais lentas.

Mas no fundo, estamos falando, mesmo, do seguinte: a Turquia tem intenção séria de ameaçar menos? Ameaçar menos os vizinhos do sul, do norte e do oeste? Essa é a questão chave. E é a questão que, na próxima 3ª-feira, os presidente Erdogan e Putin terão de mostrar que está sendo tratada; expor um ao outro e ao resto do mundo que estão dedicados focadamente a essa questão.

PERIES: John, sei que pouco transpira dos serviços de inteligência, mas... o que sabemos do que eles sabem sobre a tentativa de golpe na Turquia?

HELMER: Como sempre, o máximo que se consegue é conjecturar sobre o que as agências sabem ou sabiam. E em situações tão confusas para as forças turcas dos dois lados, como a que se tinha na noite de 15-16 de julho, em situações assim tão confusas, deve-se esperar que as agências de inteligência também estejam em confusão, trabalhando também com informações confusas.

Vocês viram na página da OTAN, alguém chamado Bellingcat escreve lá, e diz que teria interceptado, [inaudível] conversas entre majores, tenentes, tenentes-coronéis e coronéis turcos, engajados na ação da noite da 6ª-feira, 15 de julho em Istanbul. Talvez seja tão pouco confiável como tudo que Bellingcat produz. Talvez seja relato acurado. 

Não se pode ter certeza de tudo, mas uma coisa vê-se lá, bem claramente: o que aconteceu foi confuso para os que participavam da ação. Além disso, não havia forças em número suficiente para que o golpe fosse bem-sucedido. O golpe falhou. Em terceiro lugar, pode-se contar com que a inteligência russa estivesse ouvindo e monitorando as comunicações militares, comunicações eletrônicas, como também lá estavam a inteligência britânica, a inteligência dos EUA e todos que tenham capacidade para ouvir comunicações eletrônicas.

Todo mundo estava ouvindo tudo. Não significa necessariamente que estivessem ajudando um lado, ou o outro. Nenhum lado, nem os EUA nem os britânicos, israelenses, seja quem for, pode ser acusado de ter ajudado um lado ou o outro a completar o serviço, só porque estivesse assistindo a tudo e ouvindo e tentando entender o que se passava. 

Não acredito, nem minhas fontes acreditam que a vigilância dos russos, como de outros países que estavam ali, tenham ajudado a empurrar o golpe numa ou noutra direção. Ouviram, simplesmente, isso sim. E se Bellingcat, agente da OTAN, aparece hoje, ontem ou anteontem, só tem desgravações vívidas de gente falando sobre o que fazer, onde ir, como coordenar, quando nem eles conseguiam coordenar qualquer coisa... Imagine que coordenação haveria entre exercito e força aérea – se tudo, ali, só mostra confusão, acho que se pode dizer com segurança que as agências de segurança que 'acompanhavam', acompanhavam movimentos confusos e caíram na confusão, elas também.

Pode-se ver também nas declarações que apareceram – o secretário de Estado dos EUA Kerry estava em Moscou aquela noite. Passaram-se horas e horas antes de o presidente Obama manifestar-se. Todos esperavam para ver o que aconteceria e quem sairia vencedor.

PERIES: Interessante. Não sabia que John Kerry estava em Moscou.

HELMER: Ele e a Sra. Nuland tiveram conversações com o ministro Lavrov de Relações Exteriores na 5ª-6ªfeira. Nos dias precedentes, a Sra. Nuland esteve em Chipre e nos Bálcãs.

Voltando à questão da revolução, que signifique mudança de poder, mudança de política, é obviamente questão muito ampla, questão para os cipriotas, como para os gregos, os alvos mais afetados pela expansão turca, depois dos sírios, pelo menos até agora. – Fim da entrevista. Despedidas. – 

2 comentários:

Marco Antonio Rodrigues disse...

O mundo é dinâmico, o BRASIL, de protagonista vai passar a ser fornecedor de commodities a preços baixíssimos, e olhe lá se não se tornar a nova somália. A Turquia corre o risco de se tornar protagonista da cena mundial, juntamente com a Rússia, China, India e Africa do Sul.

Marco Antonio Rodrigues disse...

O mundo é dinâmico, o BRASIL, de protagonista vai passar a ser fornecedor de commodities a preços baixíssimos, e olhe lá se não se tornar a nova somália. A Turquia corre o risco de se tornar protagonista da cena mundial, juntamente com a Rússia, China, India, Africa do Sul e certamente o Irã.